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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

ICONOCLASTIA

O São Bento sempre foi um ótimo colégio. Meus dois filhos saíram de lá diretamente para a universidade pública. Um para a UERJ e outro para a UFRJ, sem fazer cursinho pré-vestibular.
Aliás, passaram em todos os vestibulares da época e escolheram onde estudar.
Porém, o São Bento tinha um defeito – e ainda deve ter - obrigava as crianças a lerem Machado de Assis, um grande chato de galochas, sempre deificado como o maior ícone da literatura brasileira.
Quando meus filhos leram Dom Casmurro, tive que me empenhar para justificar certas frases do livro.

“Era um coqueiro velho, e eu cria nos coqueiros velhos, mais ainda que nos velhos livros.”
“Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos, livros enterrados, a abri-los, a compará-los...”
“E em pé, quando era mais pequeno, metia a cara no vidro, e via o cocheiro...”
“Estava em pé, dava alguns passos, sorria ou tamborilava na tampa da boceta.”


Consegui convencê-los de que não existiam livros velhos, mortos ou enterrados. Existiam livros.
Se bons ou maus livros dependia exclusivamente da opinião do leitor. E os obriguei a ler também os autores modernos. Quem não lê, mal sabe, mal vê e não consegue falar nem escrever.
Foi difícil convencê-los que, embora não seja errado dizer mais pequeno – em Portugal se usa comumente - no português brasileiro, o mais correto e sonoramente agradável é usar o superlativo menor. Manuel Bandeira – seguindo o exemplo de Fernando Pessoa - também usou a expressão, mas é preciso considerar que em poesia quase tudo é permitido.
Desde muito pequenos, como qualquer criança, eles falavam mais pequeno, mais grande. E sempre foram repreendidos. Quando leram aquele chato, pensaram que pai e mãe estavam errados.
Agora, imaginem o que se passou pela cabeça deles quando leram que o Protonotário Apostólico Padre Cabral tamborilava na tampa da boceta. Teria sido ainda pior se eles tivessem lido "Bocetas atochadas de pastilhas e docinhos perfumados." (em Lisboa Galante, de Fialho de Almeida).
A verdade é que o texto e o estilo de Machado de Assis estão completamente ultrapassados. E ninguém tem a coragem de dizer.
Atualmente, após cem anos de sua morte, colégios e professores ainda indicam Machado de Assis como leitura obrigatória.
Talvez, por isso, os estudantes, em sua maioria, não adquirem o salutar hábito da leitura. Como diz o brasileiro em geral: não tenho tempo pra ler, não tenho saco.
De fato, é preciso ter saco pra ler Machado de Assis. Como ele próprio escreveu em Dom Casmurro: “Chegue a deitar fora este livro se o tédio já o não obrigou a isso antes....”

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