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quinta-feira, 25 de março de 2010

SAÚDE PÚBLICA II

Uma vez na vida – juro! – foi uma única vez em toda a minha já por demais prolongada existência que fui atendido na emergência de um hospital. Foi em hospital público estadual, o Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes, devido a um acidente gravíssimo.
Isto porque jamais procurei atendimento em hospitais e postos de saúde, nem para mim nem para meus filhos. Não contribuí para a superlotação dos hospitais com gripes, resfriados, terçol, dor de barriga, dor de cabeça, dores em geral, joelhos ralados, bicho de pé, espinhela caída, pulso aberto, frieira, unha encravada, perebas e outras enfermidades imaginárias. Sempre cuidei da minha saúde, deixando os médicos livres para cuidar das doenças e dos doentes que, de fato, necessitam de assistência médica.
Tinha eu pouco mais de 25 anos quando, após preparar um suco de mangas colhidas no quintal, fui fazer a limpeza do liquidificador. Não notei que o copo de vidro estava rachado e, ao desatarraxá-lo, ele se quebrou e causou um profundo corte no meu pulso esquerdo cortando todos o tendões.
Enrolei um pano de prato no pulso e corri para o posto do SAMDU que havia perto de casa. Examinaram-me e fui levado de ambulância para o Carlos Chagas.
Chegando lá, vi a sala de espera superlotada de alegres adultos levando um animado papo e crianças absolutamente saudáveis brincando e correndo de um lado para o outro. Parecia mais um parque de diversões. Levaram-me direto para a emergência e colocaram meu braço esquerdo numa tipóia de alumínio, dessas que se usam em exames de sangue.
Ali na emergência vi coisas incríveis: gente esfaqueada ou com o braço quebrado ou com a mão esfolada por fogos de artifício ou com cortes na face, muito sangue já coagulado. O que mais me marcou foi um paciente que, além de escoriações pelo corpo, tinha o couro cabeludo superior despregado do crânio e preso apenas na parte de trás. Um enfermeiro levantou-o com as mãos nuas e chamou o outro para ver como estava cheio de terra. Os dois riram daquele que deveria ser um motociclista acidentado.
O mesmo enfermeiro veio examinar o meu pulso com a mesma mão nua. Não deixei. Ele insistiu dizendo que eu poderia morrer ali se não me examinasse. Eu lhe disse: “faço questão de morrer aqui se um médico não vier me examinar”.
O médico veio imediatamente. Viu a gravidade da lesão profunda, viu que eu não tinha nenhum movimento na mão e nos dedos e me levou para a cirurgia.
Aplicaram-me uma anestesia troncular. Aquela que é aplicada na “saboneteira” bem junto da clavícula esquerda com uma agulha que não tinha tamanho. O médico me disse: “quando sentir um choque me avisa”. Ele acabou de falar e eu estremeci. Não foi preciso dizer que senti um choque.
Na sala de cirurgia havia um espelho redondo convexo na parede onde eu podia ver toda a cirurgia. Mas, para isso, tinha que mexer a cabeça e acionava os tendões que o cirurgião tentava pegar para emendá-los. “Aplica um Demerol nele”, disse o cirurgião para a enfermeira muito bonita que segurava minha mão direita com carinho.
Não sei quanto tempo após acordei com a mão e o pulso esquerdos imobilizados com uma tala. Disseram-me para tirá-la somente depois de quinze dias. A ambulância que me transportou para o hospital me levou de volta para casa.
Quinze dias depois, voltei ao hospital para retirar a tala e os pontos. Minha mão, meus dedos estavam perfeitos e com todos os movimentos.
Como estão até hoje, quase 50 anos depois.

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