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sábado, 9 de outubro de 2010

EXTREMISMO RELIGIOSO E HIPOCRISIA

Ano passado, em Recife, uma menina de 9 anos, grávida de gêmeos após abusos do padrasto, foi submetida a aborto legal porque corria risco de vida. O aborto legal regulamentado pelo Serra quando era o Ministro da Saúde.
Na época, o desvairado arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, anunciou a excomunhão da garotinha, da mãe e dos médicos que atenderam a menina.
Eles receberam o maior castigo que a igreja pode atualmente imputar a alguém. Foi uma prova cabal da loucura que é o extremismo religioso. Aquele mesmo extremismo que levou Joana D’Arc à fogueira.
O cretino do arcebispo disse ainda porque o padrasto, réu confesso de violentar a menina de 9 anos, não estava incluído na lista de excomungados: "Esse padrasto cometeu um pecado gravíssimo. Agora, mais grave do que isso, sabe o que é? É o aborto, é eliminar uma vida inocente".
O estuprador não foi excomungado. Para a igreja, a pedofilia não é um pecado gravíssimo e não merece o seu maior castigo. Hipocrisia?
O aborto que, em 1989, já havia sido usado pelo Collor contra o Lula, volta agora a dominar a campanha eleitoral com o objetivo único de prejudicar a futura presidenta.
Até a mulher do Serra diz que a Dilma mata criancinhas.
Li ontem no portal iG que, este ano, a cada hora, ocorrem 12 internações por interrupção provocada da gravidez, sendo este um dos procedimentos que mais ocupa leitos dos serviços públicos e privados na área de saúde da mulher.
De janeiro a julho, foram 54.339 internações. Mais do que a soma de internações (38.532) por câncer de mama e colo do útero. Foram internadas mulheres com hemorragias, infecções ou perfurações, desencadeadas após o procedimento realizado em clínicas clandestinas.
Para chegar a este reultado, o iG excluiu o total de internações por "aborto espontâneo" (66.903 registros em seis meses) e "aborto por razões médicas" (905). Só foi considerada a categoria "outras gravidezes que terminam em aborto".
“São dados que mostram como a criminalização e a manutenção do aborto na clandestinidade são ineficazes do ponto de vista da saúde” - afirma o médico Thomaz Gollop, diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e coordenador do Grupo de Estudo sobre o Aborto (GEA) que reúne médicos, psicólogos e juristas - “Ainda que a legislação faça com que estas mulheres não possam ser atendidas incialmente nos hospitais elas chegam depois, machucadas e em estado grave de saúde. Em Pernambuco, o aborto é a principal causa de morte”.
Segundo estudo divulgado pelo Instituto do Coração, a curetagem é o procedimento hospitalar mais realizado no país. Em média, são feitas 250 mil por ano.
De acordo com o Ministério da Saúde, um milhão e 250 mil mulheres se submetem ao aborto anualmente no Brasil. Destas, pelo menos 250 morrem.
O obstetra da Universidade Federal de São Paulo Osmar Ribeiro Colas disse ao iG que são cerca de 500 mortes diárias por causa de abortos em todo o mundo: “Quando cai um avião ficamos chocados, mas há dois Boeings de mulheres caindo por dia e ninguém fala nada”, lamentou.
“Algumas mulheres colocam produto químico ou objeto metálico no útero para abortar. A chance de infecção e perfuração é muito grande, um terço das que tentam abortar acaba procurando ajuda no hospital” - afirma o médico Morais Filho - "quem tem dinheiro faz com um médico seguro, quem não tem vai para uma clínica de fundo de quintal ou parte para a auto-agressão. Toda a sociedade sabe disso, mas somos coniventes e hipócritas porque não são as nossas mulheres e filhas que vão morrer, são as pobres”.
Pelo Código Penal Brasileiro, de 1940, provocar aborto pode resultar em uma pena de um a três anos de detenção. A lei é a mais proibitiva existente no mundo e adotada em países como Nigéria, Angola e Sudão. Em toda a Europa, com exceção da Polônia, e em países como Estados Unidos e Canadá o aborto é autorizado sem nenhuma restrição.
Em 2007, Portugal legalizou o aborto sem restrições até a 10ª semana de gestação e, depois desse período, em casos de má-formação fetal, de estupro ou de perigos à vida ou à saúde da mãe. Na Espanha, lei com termos semelhantes começou a vigorar neste ano.
Pela legislação brasileira, o aborto só é permitido nos casos de estupro ou quando a gravidez representa risco de vida para a mãe. Também é possível obter autorização judicial quando o feto possui anomalia incompatível com a vida, como anencefalia. Mas, isso leva muito, muito tempo mesmo.
Essa regulamentação faz parte de norma técnica expedida pelo Ministério da Saúde quando José Serra era o seu titular.
Em sabatina promovida pelo jornal Folha de S.Paulo, em 2007, Dilma assim se posicionou: “É um absurdo a criminalização, até porque nós sabemos em que condições as mulheres recorrem ao aborto. Não as de classe média, mas as de classe mais pobre deste país. O fato de não ser regulamentado é uma questão de saúde pública. Não é uma questão de foro íntimo, não”.
No caso do PT, o apoio à descriminalização do aborto - defendida por setores ligados ao movimento de mulheres - foi aprovado como diretriz do partido, no 3º Congresso da sigla, em 2007. O PV defende no ítem 7.g de seu programa partidário o seguinte: "legalização da interrupção voluntária da gravidez com um esforço permanente para redução cada vez maior da sua prática através de uma campanha educativa de mulheres e homens para evitar a gravidez indesejada".
Ninguém, em sã consciência, pode ser favorável ao aborto, mas o Brasil caminha para a sua descriminalização como todo o resto do mundo.
Esse terrorismo religioso que demoniza quem defende a descriminalização do aborto me faz lembrar da, também, sórdida campanha contra o divórcio que, segundo a igreja, acabaria com a família brasileira.
É necessário abortar tanta hipocrisia. A democracia não pode conviver com o fundamentalismo religioso.

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